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24/10/2010

Tiririca para presidente


O promotor Maurício Lopes finalmente conseguiu o endosso da Justiça paulista para proteger a imagem da Casa do Espanto: o humorista Tiririca, deputado federal eleito pelo PR de São Paulo, só poderá instalar-se num gabinete da Câmara se provar que não é analfabeto. Num dia qualquer de novembro, diante do juiz, do promotor e do seu advogado, Tiririca terá de escrever um ditado e ler em voz alta um trecho da Constituição. Se não fizer bonito no teste de escrita e leitura, mais de 1,3 milhão de eleitores ficarão sem representante no Congresso.

A exigência confirma que o País do Futebol valoriza o secundário tão aplicadamente quanto ignora o essencial. Se as arquibancadas do Maracanã descobrirem que o juiz é ladrão, será imediatamente instituída e aplicada a pena de morte na forca. Mas Erenice Guerra continua frequentando sem sobressaltos o supermercado da esquina. Se a camisa 10 da Seleção for entregue a um jogador bisonho, não escaparão do linchamento o técnico do time, o presidente da CBF e o escalado. Mas Lula pode contar com o apoio de milhões de brasileiros para entregar a Dilma Rousseff a faixa presidencial.

Incoerente vocacional, o país que acha muito justo o vestibular imposto a Tiririca é governado há oito anos por um sessentão que jamais leu um livro, não sabe escrever, orgulha-se da formação indigente, recusa-se a estudar e zomba de quem possui diplomas de cursos estrangeiros. O humorista inofensivo está na mira da Justiça eleitoral por ser suspeito do que o presidente sabidamente é. O suposto analfabetismo de Tiririca tem animado milhares de conversas de botequim — sem que o dono ache necessário avisar a Polícia Federal. A comprovada ignorância de Lula não deve ser comentada sequer aos sussurros.

É coisa de preconceituoso, reagem as Marilenas Chauís. Um enviado da Divina Providência já nasce professor de tudo mesmo que seja um analfabeto funcional juramentado, ensinam os Antonios Cândidos. Como o Mestre é inimputável, todos fingem ignorar o que sabe até o neurônio solitário de Dilma Rousseff: submetido ao mesmo exame de leitura e escrita, avaliado por educadores honestos, o animador de comício estaria condenado ao naufrágio.

Os dois únicos manuscritos produzidos nos últimos 20 anos informam que o maior governante desde as caravelas não sobreviveria ao teste do ditado. O que Lula tem feito durante a campanha eleitoral confirma que nunca leu sequer uma linha da Constituição. Tiririca teria chances maiores sobretudo na prova oral. Além da selva de expressões em juridiquês castiço, Lula enfrentaria a selva de algarismos romanos plantados à frente dos incisos. Provavelmente enxergaria no VI, por exemplo, um derivado do verbo ver.

O erro de Tiririca foi disputar um lugar no Congresso. Se fosse eleito presidente da República, bastaria invocar o precedente de Lula para poupar-se de incômodos. Neste outubro, liberado de exames em tribunais, estaria preparando a festa do dia da posse. Ou, quem sabe, escrevendo o prefácio do próximo livro do companheiro Aloísio Mercadante.

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